sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A história da Furna do Negro

O texto que se segue, intitulado "A Furna do Negro", foi extraído das páginas 70-72 da 2.ª edição do livro Era uma vez... na Madeira - Lendas, contos e tradições da nossa terra, da autoria do saudoso Pe. Alfredo Vieira de Freitas, que foi publicado no Funchal em 1984:


A Furna do Negro

«Era uma vez... um negro que se lançou numa caverna marinha e nunca mais apareceu.


*

Existe na freguesia do Porto da Cruz, a pouca distância do lugar chamado Ponta do Sombreiro, uma caverna sempre cheia da água salgada, que certamente deve estar em comunicação subterrânea com o mar.
Ali, a água aparece funda e também escura e encontra-se quase sempre revolta, pelo que toda a gente tem pavor de se aproximar.
Consta nos que para lá costumam atirar os ani­mais mortos ou prestes a morrer, quando pretendem desfazer-se deles.
Entretanto, quando o mar está bravio, o local costuma ser frequentado até às proximidades, pelo inédito do espectáculo que apresenta, pois é um boqueirão escancarado de rochas negras e alcantila­dos, onde como em «rock-and-roll» dançam freneti­camente as ondas, como se fossem nereidas, erguendo-se e descendo em formosas rendas de espuma branca.
Este local chama-se a Furna do Negro e na mes­ma direcção fica uma outra fuma, da forma seme­lhante, que serve de cais a onde geralmente o mar está calmo.
é crença naquela freguesia que uma caverna se comunica com a outra, através da um canal subter­râneo que deve passar debaixo do Pico.
De facto, quando o mar anda agitado e se está perto da Fuma do Negro, sentem-se ruídos caver­nosos que parecem indicar a mútua comunicação.
A este sítio, ao qual teria dado o nome, anda ligada a lenda de um negro que, segundo diz a tra­dição, um dia pretendeu fazer a experiência, julgan­do que, em se metendo num lado, sairia no outro.
Acrobata e querendo mostrar habilidades, anun­ciou que iria lançar-se às águas hiantes da primeira caverna, dizendo que surgiria no outro lado do Pico, e portanto, na furna do cais.
Não quis dar ouvidos a prudentes conselhos de gente avisada.
O povo curioso e ávido de sensações correu ao local.
Viu o negro atirar-se loucamente às escuras águas e desaparecer no sorvedoiro...
Imediatamente, toda a gente cheia de natural ansiedade correu pressurosa para o lado oposto. Es­perou e tornou a esperar, mas contra a espectativa, o negro não aparecia na furna do cais.
Esperou-se ainda por muito tempo, mas nem vivo, nem morto surgia aquele homem imprudente, que, não tinha mais que ver, fora vítima da sua lou­cura.
O povo começou a debandar cheio de tristeza e profunda mágoa, levando na imaginação o no íntimo da alma os horrores da tragédia que teria encon­trado aquele infeliz.
Porém, diz-se que na manhã do dia seguinte, no lugar onde o negro deveria sair, apenas apareceu um barrote, todo batido e amarrotado pelo vaivém das ondas, através do suposto canal subterrâneo, o mes­mo pedaço de madeira que levara consigo no dia an­terior, julgando servir-lhe de tábua de salvação. O seu corpo é que nunca mais apareceu. Julgou-se então que morrera asfixiado, por falta de ar e de espaço para sobrenadar, ou atacado e devorado por algum animal marinho.
E o negro tristemente deu o nome àquele sítio e mostrou com a sua temeridade, apesar de contrárias e avisadas advertências, que na realidade há um ca­nal subterrâneo por debaixo do Pico.
E nunca mais, desde então, houve alguém que pretendesse repetir a imprudente façanha.
Entretanto, ali, na Furna do Negro, as ondas continuam murmurantes, como quem está sempre a rezar um «Miserere» por alma dum defunto.»

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