quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fotos do Porto da Cruz publicadas na revista "Panorama" em 1954

Hoje apresentamos duas fotos, a preto e branco, da freguesia do Porto da Cruz, publicadas na revista "Panorama" n.º 9, 2.ª Série, de 1954, fazendo parte da ilustração do artigo "Madeira e Açores", da autoria de Vitorino Nemésio. No entanto, no texto referente à nossa ilha este ilustre homem de letras não alude ao Porto da Cruz.




A primeira foto, que abaixo apresentamos, encontra-se na p. 21 e apresenta a seguinte legenda: "Porto da Cruz visto da Portela" - Fot. Perestrellos.







A segunda imagem, publicada na p. 23, apresenta-nos a famosa curva que se situa "à band'cima" da vila. Nesta revista a mesma apresenta apenas a seguinte legenda: "Porto da Cruz - Ilha da Madeira"




segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Versão portacruzense da história da Gata Borralheira

Hoje apresentamos a transcrição de um texto inserido igualmente no livro Continhos Populares Madeirenses, da autoria do Pe. Alfredo Vieira de Freitas, entre as páginas 74 e 77, onde o mesmo apresenta um conto que poderá ser considerado como sendo a versão portacruzense da história da Gata Borralheira:


«DE COMO UMA PASTORINHA DA SERRA VEIO A CASAR COM UM PRÍNCIPE

Uma versão madeirense da Gata Borralheira?


Certo homem a quem morrera a esposa, ainda jovem, apenas tinha uma filhinha à qual dispensava todo o carinho.
A pequena que pouco sentira do calor materno, via-se só, ainda que vivesse à sombra das vistas meigas do pai.
A mãe morrera havia muito e a Maria — assim se chamava — estava uma mulherzinha, quando o pai pensou iniciá-la na vida do campo, entregando-a à vida pastoril.
Comprara e dera-lhe urna vaquinha. Desde então todas as manhãs, logo ao romper da aurora, lá ia a pobre pastora de campina em campina e de monta em monte, para levar o gado à pastagem
Entretanto o pai casara e a madrasta, crua a pouco carinhosa, tramava sempre questões contra a pobre pequena que muito se afligia...
Sempre que a Mariazinha ia para o monte, a madrasta sobrecarregava-a de grandes e volumosas meadas de linho para que, enquanto pasto­reasse o gado, fosse fiando...
Aflita e angustiada chegava-se a pobre zagala até junto da vaquinha, que também parecia compadecer-se dela...
Certo dia em que chegara maia triste, a vaquinha levantando as ventas de mansinho disse-lhe;
— Não chores, Maria, senta-te aqui a um lado e vai sarilhando esses novelos nas pontas dos meus cornos.
Assim fez a pobre rapariga. E à tarde, quando o sol virava além da colina, ela desceu com as meadas completamente desfeitas.
Porém a madrasta não se satisfazia com os sacrifícios e labores da enteada e as suas intrigas e inimizades cresciam cada vez mais...
Ora, um certo dia, a mulher adoeceu e desejou um pedaço da carne da vaca que pertencia a rapariguinha... Então o marido, que ainda amava bastante a filha e não queria desfazê-la do que lhe havia dado, irritou-se com a mulher, pois de tanto gado que tinham, ela só desejava o que per­tencia à pobre pequena.
Mas, como a invejosa mulher tanto insistisse, viu-se o homem obrigado a matar o pobre animal...
A Maria ficou multo aflita, e, com a tristeza e a angústia estampadas no rosto, foi até ao monte, para matar a vaca e trazer a carne, que a maldosa madrasta tanto desejava.
— Não chores Maria — disse-lhe a vaquinha — não chores, tira um pedacinho dos meus quartos que eu lamberei e tudo ficará sarado...
Assim fez. Mas, outra vez por inveja a maldade, a desavergonhada madrasta pediu insistentemente um pedacinho do coração da vaca...
Desta vez, não havia remédio; tinham de matar o animal. Porém antes disso a vaca disse à Maria:
— Não te preocupes e quando me matarem, vai tu própria arranjar o «debulho» e lá encontraras uma varinha de condão. Guarda-a e não a dês a ninguém...
Assim fez e, quando sozinha no fundo do ribeiro, aonde fora lavar
o estrampalho e as tripas da vaca, se deparou com a mágica varinha de condão, guardou-a sem revelar a alguém qualquer coisa de tudo aquilo...
Voltara-lhe a antiga alegria e visto que lá a meio da serra, num grande e belo palácio, moravam três lindas fadas, a rapariga foi até lá, e corno elas não estivessem em casa procurou fazer toda a limpeza possível, pôr tudo em ordem.
As fadas chegaram e, admiradas com toda aquela limpeza disseram umas para as outras:
— Fademos irmãs, fademos, fademos... quem nos fez isto, que seja mais brilhante que o sol e um diadema de outro lhe rodeie a fronte...
A Maria ficou mais linda que o sol e uma auréola parecia rodear-lhe a cabeça.
Ao chegar a casa, a irmã, filha da madrasta ficou surpreendida e invejosa daquela beleza e perguntou-lhe o que fizera para ficar assim.
Fui a casa das fadas — respondeu ironicamente a Maria — e sujei todos os aposentos deitando toda a espécie de lixo no terreiro.
Ora a irmã, a quem a madrasta votava toda a sua predilecção e cari­nho pensou em fazer o mesmo, para igualar a Mariazinha em beleza e
formosura.
Foi e conspurcou os aposentos das fadas que, ao chegarem a casa e vendo tudo em desordem, disseram umas para as outras:
— Fademos irmãs, fademos... fademos quem nos fez esta sujeira, que seja a pessoa maia feia que existe no mundo e que, excremento de burro lhe nasça na testa...
Assim ficara a irmã da Maria, feia a tal ponto que com o fétido do estruma pregado na testa, ninguém a podia ver ou suportar junto de si...
Porém a madrasta, que invejava a enteada, nunca a levava consigo para onde quer que fosse.
Um domingo, a madrasta foi para a missa com a filha e deixou a Maria em casa junto ao borralho da lareira a cuidar do almoço...
Estavam no adro da Igreja, quando viram entrar uma princesa com mantos do ouro, montada num elegante cavalo...
Não a conhecerem e ao chegarem a casa, a Teresa — assim se cha­mava a filha da madrasta — disse à Maria, que entretanto deixara as vestes esplendorosas e estava do novo ao borralho:
— Não viste o que nós vimos!... Uma bela princesa toda vestida de ouro e montada num rico cavalo... Não há estrela que se lhe compare!...
A jovem ria-se interiormente, sem que pensasse em revelar o segredo...
No domingo seguinte, sucedeu a mesma coisa... A princesa, que não era outra senão a própria Maria, apareceu no adro da Igreja, mais bela ainda do que da primeira vez...
Voltava para casa, mas, receando chegar tarde e ser reconhecida pela madrasta, deu de esporas no cavalo... Nesta ocasião saíu-lhe um sapato, mas como não tinha tempo para demoras, não pode juntá-lo...
O filho do rei que costumava ir àquela missa, andava encantado e morria de amores por aquela tão linda princesinha... Tentou segui-la mas não pôde, porém teve a felicidade de achar o sapatinho de ouro que ela perdera na precipitação...
Tratou logo o príncipe de saber e quem pertencia aquele rico sapato... Calçou-o em quase todas as damas e donzelas e não encontrou em quem servisse o misterioso achado... Começou a experimentá-lo nas famílias mais pobres e, um dia foi ter à casa da madrasta da Maria.
Como odiava a enteada, apenas apresentou a filha que era feia a mais não poder ser.
O príncipe calçou-lhe o sapatinho e como lhe ficasse mais ou menos justo ia levá-la para o seu palácio, pois prometera casar com a dona daquele tão rico sapato.
Iam a sair para a rua quando um cão lhe ladrou ao lado:
— Aú! Aú! A feia vai e a bonita fica! Mau! Mau!
Surpreso o príncipe voltou-se e perguntou à mulher se tinha mais alguma filha.
Amedrontada a mulher disse que sim... O príncipe mandou-a chamar, calçou-lhe o sapato que lhe ficava perfeitamente bem, e vendo a sua boniteza jamais quis saber da outra... E por amor levou-a em casamento e foram morar para um formoso palácio, aonde viveram muito felizes...
E foi assim que um formoso príncipe veio a casar com uma linda pastorinha...

Recolhido no Porto da Cruz»

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Conto do bom adivinho, recolhido no Porto da Cruz

Seguidamente apresentamos a transcrição do interessante conto "Um bom adivinho", recolhido pelo saudoso Pe. Alfredo Vieira de Freitas na freguesia do Porto da Cruz, e publicado entre as páginas 71-73 do seu livro Continhos Populares Madeirenses, editado no Funchal em 1988:


UM BOM ADIVINHO

«Havia um certo senhor muito rico que possuía tantos bens e riquezas que nem sabia quanto tinha de seu.
Ora um dia, ao abrir o cofre, encontrou-o tão vazio de dinheiro como cheio estava de ar. Saltou-lhe o coração e a boca ficou aberta... Mas, rea­gindo imediatamente, jurou vingança a quem ele descobrisse ser o ladrão.
O caso foi que se passaram alguns dias e o senhor nem por sombras conseguia suspeitar de alguém... Foi por estas alturas que numa manhã, quando passeava pensativo pelo jardim, viu e encontrou à distância, um homenzinho que pendia com a cabeça, ora para um lado, ora para outro...
— Oh! que faz aquele homem? será magia? E se ele me adivinhasse o ladrão?!...
E, pensando nisto, aproximou-se...
O homenzinho, coitado, estava cheio de fome e mal se sustinha em pé. Simplesmente sentara-se ali à espera do seu fim...
— Ouve lá! — abordou-o o ricaço — És capaz de descobrir quem me roubou? Dar-te-ei hoje três refeições e, se à noite não me responderes certo, morrerás, se for ao contrário, ficarás rico!...
O homem pensou: — morrer por morrer, pelo menos, sempre me farto! — e acedeu à proposta...
Foi, portanto, para a casa do senhor e foi encerrado num quarto. Logo se lhe chegou um criado com o comer. O homem pegou no prato e disse num suspiro: — Graças a Deus, à conta de três, já veio um! ...
Espavorido, correu o criado para a cozinha e contou aos colegas:
— Sabem vocês? Estamos todos perdidos; ele já adivinhou que fomos nós os ladrões: ele disse logo que me viu: — «À conta de três já veio um!»
— Desconfio muito — disse um outro —, mas sempre quero vê-lo e levar-lhe-ei a outra refeição.
E novamente, à hora do almoço, o homem pegando no prato, suspirou:
— Graças a Deus, à conta de três, já vieram dois!...
— É verdade, é verdade, ele já nos adivinhou!
— Qual carapuça? — disse o terceiro — Para a próxima vez irei eu. E outra vez a mesma frase diabólica:
— Graças a Deus, à conta de três, já vieram todos...
— Ó homem! — suplicou o criado de joelhos — por favor, te pedimos, que não nos descubras, nem digas que o dinheiro está metido na lareira. Dar-te-emos muito dinheiro; tem compaixão de nós!
— Ah! sim! Gostei muito de saber quem foi... Estejam descansados que não me vou deixar matar por causa de vocês... Já te podes ir embora...
Momentos depois, entrou o senhor:
— Então? Já sabes quem foi?
— Sei, sim. Foram os vossos criados.
— Estás doido?! Os meus criados tão dignos de confiança que eles são?!
— Foram os vossos criados e o dinheiro está metido em qualquer canto de lareira...
Investigadas as coisas, encontrou-se de facto o dinheiro na lareira.
Contente por ter readquirido o dinheiro roubado, vinha o senhor da cozinha para premiar tão grande adivinho. Mas ainda o quis pôr mais à prova. Passando junto da carne de porco esquartejada, para ser metida na salgadeira, escondeu o rabo do porco na mão e perguntou-lhe:
— És capaz de dizer o que tenho na mão? O homem coçou a cabeça, já se vendo perdido:
— Agora é que «a porca torce o rabo»… – disse entretanto.
— É verdade, e é de porca… Reconheço que de facto és um grande adivinho; aqui tens a tua paga. Adeus!
Já ia o homem todo contente da vida, quando o senhor, apanhando um grilo, o chamou:
— Ouve lá! e que tenho agora na mão?
Só faltava mais aquele contratempo! O «adivinho» chamava-se, por sorte, Grilo. Passou as mãos na cabeça e disse todo desanimado:
— Ai Grilo, que morres agora!
— Caramba! Ganhaste! é um grilo!…
Outra vez mais, já ia pelo caminho e o senhor, fechando a mão, ainda lhe gritou de longe:
— E que tenho agora na mão? — Agora não importa «mais nada»!
E foi assim que o Grilo caminhou para uma vida de fortuna e abun­dância, enquanto lá atrás o rico, novamente espantado pela resposta, dizia para consigo:
— É fantástico... eu não tinha «nada» na mão!
E agora não nos venham dizer que quem adivinha vai para a porta da Sé...

Recolhido no Porto da Cruz»

A história da Furna do Negro

O texto que se segue, intitulado "A Furna do Negro", foi extraído das páginas 70-72 da 2.ª edição do livro Era uma vez... na Madeira - Lendas, contos e tradições da nossa terra, da autoria do saudoso Pe. Alfredo Vieira de Freitas, que foi publicado no Funchal em 1984:


A Furna do Negro

«Era uma vez... um negro que se lançou numa caverna marinha e nunca mais apareceu.


*

Existe na freguesia do Porto da Cruz, a pouca distância do lugar chamado Ponta do Sombreiro, uma caverna sempre cheia da água salgada, que certamente deve estar em comunicação subterrânea com o mar.
Ali, a água aparece funda e também escura e encontra-se quase sempre revolta, pelo que toda a gente tem pavor de se aproximar.
Consta nos que para lá costumam atirar os ani­mais mortos ou prestes a morrer, quando pretendem desfazer-se deles.
Entretanto, quando o mar está bravio, o local costuma ser frequentado até às proximidades, pelo inédito do espectáculo que apresenta, pois é um boqueirão escancarado de rochas negras e alcantila­dos, onde como em «rock-and-roll» dançam freneti­camente as ondas, como se fossem nereidas, erguendo-se e descendo em formosas rendas de espuma branca.
Este local chama-se a Furna do Negro e na mes­ma direcção fica uma outra fuma, da forma seme­lhante, que serve de cais a onde geralmente o mar está calmo.
é crença naquela freguesia que uma caverna se comunica com a outra, através da um canal subter­râneo que deve passar debaixo do Pico.
De facto, quando o mar anda agitado e se está perto da Fuma do Negro, sentem-se ruídos caver­nosos que parecem indicar a mútua comunicação.
A este sítio, ao qual teria dado o nome, anda ligada a lenda de um negro que, segundo diz a tra­dição, um dia pretendeu fazer a experiência, julgan­do que, em se metendo num lado, sairia no outro.
Acrobata e querendo mostrar habilidades, anun­ciou que iria lançar-se às águas hiantes da primeira caverna, dizendo que surgiria no outro lado do Pico, e portanto, na furna do cais.
Não quis dar ouvidos a prudentes conselhos de gente avisada.
O povo curioso e ávido de sensações correu ao local.
Viu o negro atirar-se loucamente às escuras águas e desaparecer no sorvedoiro...
Imediatamente, toda a gente cheia de natural ansiedade correu pressurosa para o lado oposto. Es­perou e tornou a esperar, mas contra a espectativa, o negro não aparecia na furna do cais.
Esperou-se ainda por muito tempo, mas nem vivo, nem morto surgia aquele homem imprudente, que, não tinha mais que ver, fora vítima da sua lou­cura.
O povo começou a debandar cheio de tristeza e profunda mágoa, levando na imaginação o no íntimo da alma os horrores da tragédia que teria encon­trado aquele infeliz.
Porém, diz-se que na manhã do dia seguinte, no lugar onde o negro deveria sair, apenas apareceu um barrote, todo batido e amarrotado pelo vaivém das ondas, através do suposto canal subterrâneo, o mes­mo pedaço de madeira que levara consigo no dia an­terior, julgando servir-lhe de tábua de salvação. O seu corpo é que nunca mais apareceu. Julgou-se então que morrera asfixiado, por falta de ar e de espaço para sobrenadar, ou atacado e devorado por algum animal marinho.
E o negro tristemente deu o nome àquele sítio e mostrou com a sua temeridade, apesar de contrárias e avisadas advertências, que na realidade há um ca­nal subterrâneo por debaixo do Pico.
E nunca mais, desde então, houve alguém que pretendesse repetir a imprudente façanha.
Entretanto, ali, na Furna do Negro, as ondas continuam murmurantes, como quem está sempre a rezar um «Miserere» por alma dum defunto.»

Magnífica foto do Porto da Cruz datada do final dos anos 50

Hoje apresentamos uma magnífica foto do centro do Porto da Cruz tirada por volta do final da década de 50, onde se destacam parte da "igreja velha", dedicada a Nossa Senhora da Piedade, e a "igreja nova", dedicada a Nossa Senhora da Guadalupe, cuja construção estava a terminar, sendo este dado facultado pela presença de andaimes na parte frontal do novo templo.


Esta foto foi publicada no livro L'Ile Madère, de J. Arthur Dixon, que foi impresso e editado por ele em Newport, Isle of Wight, na Inglaterra. Neste livro não consta a data de edição mas nele existem duas fotos em que se vêem as cadeiras de vime com a data de 1954.


Na penúltima página deste livro existe um pequeno texto sobre o Porto da Cruz, em língua francesa, que transcrevemos:




Porto da Cruz

«Porto da Cruz se trouve à quarente kilòmetres de Funchal, par la route qui passe par Monte, Terreiro da Luta, Poiso et Ribeiro Frio. On peut aussi, à partir de Funchal, passer par Camacha eu Santo da Serra ou encore par Machico. [...]
A Portela, à 615 mètres d'altitude, on a, du haut du pont, une belle vue sur Porto da Cruz et Faial, séparés par la haute falaise de Penha d'Aguia. En descendant jusqu'à Porto da Cruz les détours de la route permettent des échapées splendides sur les montagnes et sur la mer. [...]»




Esta imagem foi publicada com a seguinte legenda: «En face: le village de Porto da Cruz sur la côte rocheuse du nord. À l'est se dressent de hautes falaises infranchissables, mais la corniche passe à l'ouest par Santana, São Vicente et Porto Moniz. Le long de cette route, on peut admirer le panorama magnifique du littoral et des vallées et des montagnes qui se dressent vers l'intérieur.»



A título de curiosidade apresentamos ainda um zoom que fizémos ao centro desta imagem, onde se poderá ver em mais detalhe, alguns edifícios desta freguesia.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

A freguesia do Porto da Cruz segundo o livro "Freguesias da Madeira"

Apresentamos em baixo a transcrição do texto sobre esta freguesia existente entre as páginas 139 e 142 da 2.ª edição do livro Freguesias da Madeira, da autoria do Tenente-coronel Sarmento (Alberto Artur), publicado em 1953 pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal.


Porto da Cruz


«NUM recanto de nordeste, protegido por arrogante pene­dia, abre-se uma pequena enseada, limpa, profunda, abrigo único que nesta parte do quadrante oferece a costa contra as iras insofridas do mar do norte.
Uma cruz de ferro afincada na rocha deu o nome ao Por­to da Cruz.

Vem imponente de além uma muralha de alterosos píncaros, cortam-se as vertentes em talhe duro, a prumo, e as escarpas rígidas como que desdenham da fúria oceânica a bra­mir injúrias, refervendo em escuma, porque a natureza lhe suprimiu, para este lado, as baías, onde se possa, espraiando, descansar.
E para temperar-lhe os exageros, servindo de tutela e guarda à formosa povoação do Porto da Cruz, ergue-se-lhe brutal e majestoso, um penedo enorme que se chama – a Penha de Águia, como se só as águias lá pudessem poisar.

Sublimidade de rocha que se destaca dos contrafortes, se isola por completo da cumieira geral, promontório de 600 me­tros de altitude, extático, à beira mar, é aquela tamanha eminência sombria.
Marco de formação antiga fez parte duma grande muralha destruída, o que prova bem que a ilha houve tempo em que ostentou muito maiores dimensões. Logo para nascente, afunila-se a Madeira no seu formato, baqueada talvez pela submer­são da base, no tempo das convulsões.
Porto da Cruz, pertencente à capitania de Machico, era no começo grossa fazenda de açúcares, boas matas e muitas águas e criava em abundância todo o gado manadio.
Sesmeiros foram ali muito nobres, alguns deles estrangei­ros, e as terras do Baptista recordam ainda o genovês Misser Baptista Uzadamori, parente dum dos descobridores das ilhas de Cabo Verde.
António Teixeira, neto de Tristão Vaz, donatário de Machico, teve copiosas terras detrás da ilha, e pela opulência de sua casa foi chamado rei pequeno. Fundou no Porto da Cruz a capela de Nossa Senhora da Piedade, uma das primeiras capelanias do norte, que foi elevada a freguesia com esta invocação.
Em 1580 foi doado uni terreno para a edificação dum tem­plo, passando a paróquia a chamar-se de Nossa Senhora de Guadalupe. A capela do Santíssimo foi vincular e mandada construir em 1765 por compromisso de Marcelino de Moura.
Continuou no entanto a antiga igrejinha de Nossa Senho­ra da Piedade, que durou até 1814, em que foi demolida por se achar em ruínas, sendo removido um antigo retábulo que ali existia para a igreja paroquial.

A capela de São João Nepomuceno foi instituída em 1776 por João Freitas Leal em sítio altaneiro que ficou sendo cha­mado o Lombo dos Leais. Um alvará de 1797 criou o curato desta freguesia já bastante povoada e com núcleos dissemina­dos, impondo ao cura a obrigação de residência nas proximi­dades desta capela de São João, que se tornava muito favore­cida, tendo mesmo especiais regalias, e que pretendendo ser sede da freguesia deu causa a dissenções graves, pelo que esteve interdita quatro anos.
Na Cruz da Guarda ficava uma capela dedicada a São Francisco Xavier; na Terra do Baptista houve a de Santo António, vínculo de Nunes Caldeira, e no Mirante, a de Nossa Senhora da Fé, de Dias e Vasconcelos.
Existe no sítio da Referta, que recorda uma pugna entre fidalgos, a capela de Nossa Senhora do Socorro, que primitivamente se chamou Nossa Senhora de Belém, morgadio de Moniz de Meneses, instituída por 1712.

Como porto importante da costa norte, Porto da Cruz teve o seu forte de defesa contra as sortidas dos corsários e as vigias para observar o mar. Militarmente, formava um dis­trito de ordenanças subordinado ao regimento de São Vicente.
Todo o vale do Porto da Cruz é de interesse geológico extraordinário pela desnudação das vertentes, deixando ver como se alternam ou irrompem as camadas estratificadas e os diques que as atravessam.
Ali se encontram as rochas mais antigas, sobre que assen­taram depois essas enormes torrentes de lava moderna.
A madeirite rocha muito rija, preta e branca é peculiar à Madeira, encontrada no ribeiro da Soca.
Na ribeira da Igreja observam-se as mais lindas formações de basalto colunar, como ruínas dum velho templo pagão, assi­naladas pelo povo com a pitoresca designação de Tem-te, não caias como se receando o seu desmoronamento.
Pela acção prolongada das chuvas caudalosas, perderam alguns conglomerados a sua consistência, transformando-se em argilas tenras que se encontram no ribeiro do Gabão, com pequenos cristais de bissulfureto de ferro.

O Pico do Forte, junto ao mar, coberto de barretes de assentadas sobre um núcleo de tufos sílico-calcáreos, guarda ainda as formas de uma antiga vegetação em que a matéria orgânica se acha eliminada. Ali se reconheceu a impressão das espécies Rubus e Carex arrastadas nas lamas para o fundo dum lago que devia ter existido na boca do Vale, prolonga­do até o Ilhéu.

Na sua vegetação florestal mesclam-se o folhado, a murta, a faia, o aderno, o azevinho. Teve mais, zambujeiros e marmulanos que são ao presente bem raros. Um manto verde no entanto galga aos topos, afogando as gargantas da serra e dos alcantilados sombrios que descem até a profundeza dos vales, onde a água rumoreja brandamente.
São vistas soberbas, fartas de enleio e pasmo, as obser­vadas dos espinhaços erguidos na penedia.

Nasceram nesta freguesia: – a madre Soror Catarina da Paixão de que falam as crónicas claristas, como freira de grandes virtudes, morrendo em cheiro de santidade; – e o Padre Caetano Soares, formado em direito pela Universidade de Coimbra e deputado pela Madeira às Cortes de 1826. Espí­rito liberal, ausentou-se para o Brasil no governo absoluto, e lá foi distinto letrado e exerceu importantes cargos, sendo advogado da Casa Imperial.
Desde o século XVIII que uma estrada de ligação rápida com Machico, pela costa norte, foi projectada, e iniciados os trabalhos que várias vezes foram postos de parte. Porto da Cruz tem sido abrigo das embarcações nos temporais do sul, recebendo os passageiros destinados à Madeira, quando o Funchal é inabordável.»

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O Porto da Cruz segundo o "Elucidário Madeirense"

Os textos que abaixo apresentamos foi transcrito das entradas sobre esta freguesia existentes na versão em cd-rom do "Elucidário Madeirense", da autoria do Pe. Fernando Augusto da Silva e de Carlos Azevedo de Menezes. Neles encontramos uma interessante resenha histórica acerca desta freguesia do norte da ilha:

«Porto da Cruz (freguesia do). Saindo do sul desta ilha em direcção ao norte e dobrando a Ponta de S. Lourenço, depara-se-nos a primeira das freguesias que constituem aquela acidentada costa. É o Porto da Cruz. Provém-lhe o nome de terem os primeiros exploradores deste lugar arvorado uma cruz na pequena enseada que lhe serve de pôrto.
As primeiras terras arroteadas na costa do norte foram as do Pôrto da Cruz e Faial. É de supor que alguns dos mais proximos descendentes do primeiro donatario Tristão Vaz tivessem terras de sesmaria nesta freguesia e aqui se entregassem a explorações agrícolas. Entre os antigos povoadores, contam-se Antonio de Abreu, Fernão Nunes, Simão Teixeira, Baltasar da Mata, Francisco Velosa, João Dias, Antonio Teixeira de Mendonça, Antonio Leal, quasi todos de nobre ascendencia.
O alvará régio de 26 de Setembro de 1577 cometeu ao prelado diocesano D. Jeronimo Barreto a faculdade de erigir esta nova paróquia, e pelo mesmo diploma se estabelece ao paroco a côngrua de 20$000 réis anuais, tendo o alvará de 15 de Novembro de 1591 fixado êsse vencimento de 19$000 réis em dinheiro e uma e meia pipa de vinho e um e meio moio de trigo.
É provavel que anteriormente á criação da paróquia, como aconteceu em quasi tôdas as freguesias desta ilha, houvesse alguma capela com capelão privativo, que ali exercesse as funções eclesiasticas. É possivel que isso se tivesse dado na propria capela de Nossa Senhora da Piedade, onde foi estabelecida a sede da freguesia, talvez na dependencia canonica do paroco do Faial. Desta capela já demos breve noticia a paginas 465 do volume II.
Parece que a primitiva padroeira da paróquia seria Nossa Senhora da Piedade, invocação do pequeno templo que primeiro serviu de igreja paroquial, tendo-se-lhe depois dado como orago o misterio da Vera Cruz, segundo consta do respectivo arquivo. Na escritura de doação do terreno para a nova igreja, chama-se a esta de Nossa Senhora da Gloria, e, finalmente, depois da erecção do novo templo, foi êste consagrado a Nossa Senhora de Guadalupe, orago que perdurou e ainda hoje conserva.
Poucos anos permaneceu a sede da paroquia na capela da Piedade. D. Guiomar Lomelino, residente nesta freguesia, doou em 1580 ao paroco Nicolau de Abreu o terreno indispensavel para a edificação da nova igreja, presbiterio e passal adjunto. Não sabemos quando terminou a construção do templo e quando nele se começaram a exercer os actos do culto. Sofreu varias modificações no decorrer dos tempos, e por 1637 e 1688 se realizaram nele importantes reparações. 0 alvará regio de 30 de Outubro de 1748 autorizou o pagamento da importancia de réis 2 450$000 para as obras dum novo templo, que ficou de acanhadas proporções para a população da freguesia. A capela do Santissimo Sacramento foi construída em 1763 por mandado de Manuel Caldeira da Silva, como administrador do vinculo instituído por Marcelino de Moura e em cumprimento do voto que êste fizera, sendo esta capela pertença do mesmo vínculo. Por 1820, projectou-se a construção duma nova igreja paroquial, orçada em vinte e seis contos de réis, tentativa essa que não passou dum simples projecto.
Um Breve Pontificio de 21 de Abril de 1795 concede indulgencia plenaria aos que visitarem esta igreja, e outro Breve de 15 de Agôsto de 1781 a graça de privilégio especial ao altar do Senhor Jesus em tôdas as segundas-feiras.
O primeiro vigario foi o padre Nicolau de Oliveira, que, por mais de quarenta anos, esteve na direcção desta paroquia, seguindo-se-lhe os padres Rui Gomes de Ornelas, Manuel Fernandes Braga, Francisco Fernandes, Pedro Ferreira, Inacio Alvaro de Carvalho, Cristovão Moniz de Meneses, etc..
Em uns interessantes artigos que acêrca desta paroquia foram publicados no Correio da Madeira, encontramos as seguintes linhas com respeito á criação do curato: «Crescendo sempre o movimento paroquial depois de 1700, a requerimento do padre Caetano Alberto de Araújo, e por alvará de D. Maria I, com data de 31 de Julho de 1797, foi criado o curato desta freguesia, com a obrigação de residencia nas imediações da Capela de S. João Nepomuceno, no Lombo dos Leais, percebendo o cura a côngrua anual de moio e meio de trigo e pipa e meia de vinho. Este curato foi causa de dissenções entre o vigario e os donos da capela, estando esta interdicta por algum tempo, por essa razão».
No vol. I.° do Archivo da Marinha e Ultramar, vêm citados alguns documentos pelos quais se vê que em 1818 varios paroquianos desta freguesia e em especial os moradores do sitio de Folhadal, pediram ao governo da Metropole a criação dum curato com sede na capela de São João Nepomuceno ou, talvez melhor, a mudança dessa sede para a referida capela, que seria então na igreja paroquial. O bispo D. Joaquim de Meneses e Ataíde informou desfavoravelmente a petição dos requerentes.
Tiveram sede nesta localidade diversas instituições vinculares, dalgumas das quais damos uma breve resenha: a casa vinculada dos Baptistas, instituída nos fins do século XV pelo genovês Micer Baptista e de que foi ultimo representante João Bettencourt Baptista falecido há poucos anos (1921); o morgadio da Referta, que foi estabelecido por Manuel Telo Moniz de Meneses, falecido em 1713, de que foi ultimo administrador Manuel Raimundo Telo Moniz Torresão e de que hoje é representante sua neta D. Cristina de Campos Soares(1921); o vinculo instituído pelo padre Cristovão Moniz de Meneses, de que foi ultimo representante o morgado Antonio Caetano de Aragão; e os morgadios instituídos pelo capitão Braz Moniz Telo de Meneses e pelo capitão Inacio de Carvalho Favila.
Existiu nesta freguesia a antiga e distinta familia Leal, que constituíu uma das mais opulentas casas do norte da ilha e que tem hoje como representante o dr. Alfredo de Freitas Leal (1921). Foi membro desta familia o comendador Valentim de Freitas Leal, que entre outros cargos exerceu o de governador civil dêste distrito e que recusou o titulo de visconde do Pôrto da Cruz, titulo de que há alguns anos usa um seu bisneto. Nasceu em 1790 e faleceu no ano de 1879.
Filho do comendador Valentim, foi o conselheiro João Baptista de Freitas Leal, de quem já neste volume nos ocupamos. O primeiro desta distinta ascendencia que consta ter feito assentamento nesta freguesia foi Antonio Leal, falecido em 1582. 0 seu quinto neto João José Nepomuceno de Freitas Leal fundou a capela do Lombo dos Leais.
Um filho ilustre do Pôrto da Cruz foi O padre dr. Caetano Alberto Soares, a quem consagraremos artigo especial na altura competente desta obra.
Os principais sitios são: Casas Proximas, Serrado, Fajã e Palmeira, Ribeira Tem-te-não-caias, Lombo dos Leais, Cruz da Guarda, Maiata, Larano, Achada, Achadinha, Referta, Massapês e Terra do Baptista. Da Portela e do Lombo dos Leais, descortinam-se vastos e surpreendentes panoramas entre esta e a freguesia do Faial, e sobranceira ao mar, numa altura de perto de 600 metros, eleva-se a conhecida rocha da Penha de Aguia de cujas eminencias se estendem também largos e belos horizontes.
É esta paroquia sede dum partido medico, tem duas escolas, uma para cada sexo, uma estação telegrafica, criada pelo decreto de 17 de Agôsto de 1888, e conta 4.284 habitantes pelo ultimo censo publicado (1921).
O Pôrto da Cruz pertenceu á capitania de Machico desde a sua criação, passando em 1835 a fazer parte do concelho de Santana. Foi desmembrado dêste concelho em virtude do decreto de 19 de Outubro dc 1852 e anexado ao concelho de Machico, ao qual ainda pertence.»

«Porto da Cruz (Ilhéu, Pôrto e Ribeira de). Proximo da costa maritima desta freguesia, existe um ilhéu, que defronta com um pequeno pôrto, sendo conhecido pelo nome de Furna o lugar de desembarque. O ilhéu e o pôrto conservam o nome de Pôrto da Cruz e bem assim a ribeira, que desemboca a certa distancia desse local.»

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Tributo aos meus avós maternos




Aqui se vêem os meus avós maternos, Maria de São Pedro Freitas (1913-2006) e Pedro Vieira Barcelos (1905-1991), que viveram na antiga casa do "padre mestre", no Sítio do Massapez, na ridente freguesia do Porto da Cruz.
Esta é uma foto datada de finais da década de 80 e tirada na "entrada da portada".
Com eles convivi durante muitos anos nas minhas visitas assíduas ao Porto da Cruz.
Presto-lhes a minha sentida homenagem e o meu muito obrigado por tudo quanto me ensinaram.