quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fotos do Porto da Cruz publicadas na revista "Panorama" em 1954

Hoje apresentamos duas fotos, a preto e branco, da freguesia do Porto da Cruz, publicadas na revista "Panorama" n.º 9, 2.ª Série, de 1954, fazendo parte da ilustração do artigo "Madeira e Açores", da autoria de Vitorino Nemésio. No entanto, no texto referente à nossa ilha este ilustre homem de letras não alude ao Porto da Cruz.




A primeira foto, que abaixo apresentamos, encontra-se na p. 21 e apresenta a seguinte legenda: "Porto da Cruz visto da Portela" - Fot. Perestrellos.







A segunda imagem, publicada na p. 23, apresenta-nos a famosa curva que se situa "à band'cima" da vila. Nesta revista a mesma apresenta apenas a seguinte legenda: "Porto da Cruz - Ilha da Madeira"




segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Versão portacruzense da história da Gata Borralheira

Hoje apresentamos a transcrição de um texto inserido igualmente no livro Continhos Populares Madeirenses, da autoria do Pe. Alfredo Vieira de Freitas, entre as páginas 74 e 77, onde o mesmo apresenta um conto que poderá ser considerado como sendo a versão portacruzense da história da Gata Borralheira:


«DE COMO UMA PASTORINHA DA SERRA VEIO A CASAR COM UM PRÍNCIPE

Uma versão madeirense da Gata Borralheira?


Certo homem a quem morrera a esposa, ainda jovem, apenas tinha uma filhinha à qual dispensava todo o carinho.
A pequena que pouco sentira do calor materno, via-se só, ainda que vivesse à sombra das vistas meigas do pai.
A mãe morrera havia muito e a Maria — assim se chamava — estava uma mulherzinha, quando o pai pensou iniciá-la na vida do campo, entregando-a à vida pastoril.
Comprara e dera-lhe urna vaquinha. Desde então todas as manhãs, logo ao romper da aurora, lá ia a pobre pastora de campina em campina e de monta em monte, para levar o gado à pastagem
Entretanto o pai casara e a madrasta, crua a pouco carinhosa, tramava sempre questões contra a pobre pequena que muito se afligia...
Sempre que a Mariazinha ia para o monte, a madrasta sobrecarregava-a de grandes e volumosas meadas de linho para que, enquanto pasto­reasse o gado, fosse fiando...
Aflita e angustiada chegava-se a pobre zagala até junto da vaquinha, que também parecia compadecer-se dela...
Certo dia em que chegara maia triste, a vaquinha levantando as ventas de mansinho disse-lhe;
— Não chores, Maria, senta-te aqui a um lado e vai sarilhando esses novelos nas pontas dos meus cornos.
Assim fez a pobre rapariga. E à tarde, quando o sol virava além da colina, ela desceu com as meadas completamente desfeitas.
Porém a madrasta não se satisfazia com os sacrifícios e labores da enteada e as suas intrigas e inimizades cresciam cada vez mais...
Ora, um certo dia, a mulher adoeceu e desejou um pedaço da carne da vaca que pertencia a rapariguinha... Então o marido, que ainda amava bastante a filha e não queria desfazê-la do que lhe havia dado, irritou-se com a mulher, pois de tanto gado que tinham, ela só desejava o que per­tencia à pobre pequena.
Mas, como a invejosa mulher tanto insistisse, viu-se o homem obrigado a matar o pobre animal...
A Maria ficou multo aflita, e, com a tristeza e a angústia estampadas no rosto, foi até ao monte, para matar a vaca e trazer a carne, que a maldosa madrasta tanto desejava.
— Não chores Maria — disse-lhe a vaquinha — não chores, tira um pedacinho dos meus quartos que eu lamberei e tudo ficará sarado...
Assim fez. Mas, outra vez por inveja a maldade, a desavergonhada madrasta pediu insistentemente um pedacinho do coração da vaca...
Desta vez, não havia remédio; tinham de matar o animal. Porém antes disso a vaca disse à Maria:
— Não te preocupes e quando me matarem, vai tu própria arranjar o «debulho» e lá encontraras uma varinha de condão. Guarda-a e não a dês a ninguém...
Assim fez e, quando sozinha no fundo do ribeiro, aonde fora lavar
o estrampalho e as tripas da vaca, se deparou com a mágica varinha de condão, guardou-a sem revelar a alguém qualquer coisa de tudo aquilo...
Voltara-lhe a antiga alegria e visto que lá a meio da serra, num grande e belo palácio, moravam três lindas fadas, a rapariga foi até lá, e corno elas não estivessem em casa procurou fazer toda a limpeza possível, pôr tudo em ordem.
As fadas chegaram e, admiradas com toda aquela limpeza disseram umas para as outras:
— Fademos irmãs, fademos, fademos... quem nos fez isto, que seja mais brilhante que o sol e um diadema de outro lhe rodeie a fronte...
A Maria ficou mais linda que o sol e uma auréola parecia rodear-lhe a cabeça.
Ao chegar a casa, a irmã, filha da madrasta ficou surpreendida e invejosa daquela beleza e perguntou-lhe o que fizera para ficar assim.
Fui a casa das fadas — respondeu ironicamente a Maria — e sujei todos os aposentos deitando toda a espécie de lixo no terreiro.
Ora a irmã, a quem a madrasta votava toda a sua predilecção e cari­nho pensou em fazer o mesmo, para igualar a Mariazinha em beleza e
formosura.
Foi e conspurcou os aposentos das fadas que, ao chegarem a casa e vendo tudo em desordem, disseram umas para as outras:
— Fademos irmãs, fademos... fademos quem nos fez esta sujeira, que seja a pessoa maia feia que existe no mundo e que, excremento de burro lhe nasça na testa...
Assim ficara a irmã da Maria, feia a tal ponto que com o fétido do estruma pregado na testa, ninguém a podia ver ou suportar junto de si...
Porém a madrasta, que invejava a enteada, nunca a levava consigo para onde quer que fosse.
Um domingo, a madrasta foi para a missa com a filha e deixou a Maria em casa junto ao borralho da lareira a cuidar do almoço...
Estavam no adro da Igreja, quando viram entrar uma princesa com mantos do ouro, montada num elegante cavalo...
Não a conhecerem e ao chegarem a casa, a Teresa — assim se cha­mava a filha da madrasta — disse à Maria, que entretanto deixara as vestes esplendorosas e estava do novo ao borralho:
— Não viste o que nós vimos!... Uma bela princesa toda vestida de ouro e montada num rico cavalo... Não há estrela que se lhe compare!...
A jovem ria-se interiormente, sem que pensasse em revelar o segredo...
No domingo seguinte, sucedeu a mesma coisa... A princesa, que não era outra senão a própria Maria, apareceu no adro da Igreja, mais bela ainda do que da primeira vez...
Voltava para casa, mas, receando chegar tarde e ser reconhecida pela madrasta, deu de esporas no cavalo... Nesta ocasião saíu-lhe um sapato, mas como não tinha tempo para demoras, não pode juntá-lo...
O filho do rei que costumava ir àquela missa, andava encantado e morria de amores por aquela tão linda princesinha... Tentou segui-la mas não pôde, porém teve a felicidade de achar o sapatinho de ouro que ela perdera na precipitação...
Tratou logo o príncipe de saber e quem pertencia aquele rico sapato... Calçou-o em quase todas as damas e donzelas e não encontrou em quem servisse o misterioso achado... Começou a experimentá-lo nas famílias mais pobres e, um dia foi ter à casa da madrasta da Maria.
Como odiava a enteada, apenas apresentou a filha que era feia a mais não poder ser.
O príncipe calçou-lhe o sapatinho e como lhe ficasse mais ou menos justo ia levá-la para o seu palácio, pois prometera casar com a dona daquele tão rico sapato.
Iam a sair para a rua quando um cão lhe ladrou ao lado:
— Aú! Aú! A feia vai e a bonita fica! Mau! Mau!
Surpreso o príncipe voltou-se e perguntou à mulher se tinha mais alguma filha.
Amedrontada a mulher disse que sim... O príncipe mandou-a chamar, calçou-lhe o sapato que lhe ficava perfeitamente bem, e vendo a sua boniteza jamais quis saber da outra... E por amor levou-a em casamento e foram morar para um formoso palácio, aonde viveram muito felizes...
E foi assim que um formoso príncipe veio a casar com uma linda pastorinha...

Recolhido no Porto da Cruz»